O FUTURO É DAS MULHERES?

Será mesmo possível uma mulher dar à luz uma idêntica irmã gêmea? Poderá uma criança ter duas mães genéticas? Será possível que possamos escolher a inteligência e mesmo o talento duma criança que está para nascer? Em suma: o progresso da genética será capaz de realmente alterar a própria natureza das nossas espécies?... Através de periódicas colunas jornalísticas, vamos paulatinamente assimilando a verdade de que, 600 milhões de anos após sua invenção, a relação sexual deixou de ser um pré-requisito da reprodução humana.
Assim, 7 de dezembro de 1987: Lesley Northrup, religiosa episcopal, torna-se mãe solteira através da inseminação artificial. Sua atitude foi considerada fora das restrições da igreja e apoiada por seu bispo, pois Lesley não podia ser acusada de adultério (nenhuma das partes era casada) e nem de libertinagem (não houve nenhum ato sexual)... 9 de julho de 1994: o Sunday Telegraph noticia que em Buckinghamshire um casal de lésbicas acaba de tornar-se pais de uma menina, ao cabo de uma gravidez por inseminação artificial. Tanto a mãe, Natalie Wilson, como sua companheira confessam-se virgens e incapazes de enfrentar um relacionamento sexual com um homem. A tão almejada maternidade foi concretizada pela inseminação com o esperma doado por um amigo homossexual.
"Subitamente, parece que as mulheres conquistaram o controle absoluto sobre o destino de sua reprodução. Atualmente os homens ainda são necessários pela contribuição do esperma; mas com o advento da clonagem humana, eles não serão de forma alguma necessários. E se os homens são postos de lado isto significa que Deus também fica fora do processo? Será que a Mulher - com M maiúsculo - se tornará a criadora de toda nova vida humana?" (pg. 65).
Clonagem... Este potencial terror para a insegurança machista e a rigidez religiosa popularizou-se no último domingo em fevereiro no terceiro ano antes do fim do segundo milênio. Neste dia o mundo foi apresentado a Dolly, uma ovelhinha de seis meses, que fora clonada de uma única célula extraída do tecido mamário de uma ovelha adulta. O que não foi tão popularizado é que, além de Dolly, outras duas ovelhinhas saudáveis haviam resultado da clonagem desde células obtidas em um feto, e que a clonagem, afinal, não podia ser considerada um golpe de sorte.
"Casais de lésbicas, em particular, teriam aí um novo meio de dividir o parentesco de uma criança. Um membro do casal seria o doador da célula, e qualquer dos dois forneceria o óvulo recipiente não-fertilizado. O embrião recém formado seria então introduzido no útero da mulher não relacionada geneticamente. A criança ao nascer estaria relacionada por gene a uma mãe e por nascimento à outra, ambas as mulheres tendo assim assegurado seus direitos de maternidade biológica." (pg. 116).
E se as mulheres quisessem que só nascessem mulheres, num bombástico e fatal expurgo da presença do macho na face da Terra? Seria isso possível?
Neste livro de Silver, cujo título pode ser traduzido literalmente como "Refazendo o Paraíso", há uma demonstração de que para isso nem mesmo é preciso universalizar o gosto homossexual feminino. É a especulação sobre Jennifer: uma hipotética e independente mulher vivendo em Nova York no ano 2049. Uma manhã ela acorda, percebe que está completando trinta e cinco anos, e que começa a ficar "um pouco tarde" para pensar em gravidez. Todavia, mesmo não sentindo necessidade do casamento ou de um relacionamento perene, ela sente falta de uma criança, de uma criança nascida dela, de uma filha.
Sendo a clonagem ilegal nesta data imaginária, Jennifer não ignora, porém, a existência de clínicas clandestinas. E, aqui, a imaginação do escritor funde-se bem com a previsibilidade do nosso ritmo social: "Na Ilha Grand Cayman existe uma grande clínica reprogenética que se especializa em clonagem. As jovens médicas e biólogas que nela trabalham não costumam fazer perguntas às clientes. Elas simplesmente retiram células de qualquer adulta voluntariosa, preparam estas células para serem fundidas a óvulos recolhidos de qualquer mulher voluntariosa, e então introduzem os embriões que se desenvolveram daí no útero da mesma, ou de outra, mulher voluntariosa. O custo do procedimento é $ 80,000 para a inicial clonagem da célula e transferência de embrião, e $ 20,000 para cada subseqüente tentativa de gravidez, caso os primeiros embriões não sejam bem sucedidos na implantação. Quando da abertura da clínica, os custos costumavam ser o dobro; porém acabaram caindo, em decorrência da competição por novas clínicas que foram abertas na Jamaica e em Granada." (pg. 118).
Mas mesmo quando não desconsidera as mais sombrias possibilidades da engenharia genética, Lee M. Silver não deixa nunca de justificar a epígrafe geral, entre muitas, que escolheu para o livro:

O, wonder!
How many goodly creatures are there here!
How beauteous mankind is!
O brave new world
That has such people in’t.

- William Shakespeare, The Tempest -




 

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